Flora era uma menina que costumava sonhar todas as noites. Era só fechar os olhos e ela sentia seu corpo levitar e subir devagarzinho rumo ao seu lugar predileto: o céu repleto de lindas nuvens rosas.
Quando lá chegava sentia a serenidade tomar o seu coração. Ela gostava de sentir cada passo naquela atmosfera e sentir os aromas sutis e suaves que envolviam aquele lugar.
Não existia nada além dela e tudo que compunha aquele ambiente.
Ela se sentia leve e tranquila e, apesar de não haver ninguém com quem pudesse conversar ou interagir, ela sentia-se acolhida e em paz.
Não havia nada que ela amasse mais do que a delicadeza das formas que as nuvens tomavam.
Sentia que o tempo já não importava e sua vontade era viver ali eternamente.
Além da linda paisagem, também podia ouvir uma linda música na qual harpas e flautas se combinavam harmoniosamente.
As nuvens a abraçavam carinhosamente e ela sentia a segurança de estar em sua casa. Lá ela tinha tudo que precisava para ser feliz.
As luzes que passavam entre uma nuvem e outra construíam lindos desenhos e caminhos iluminados com as novas cores que iam se formando.
Tudo era perfeito e parecia fazer sentido. Mas, de repente, a música parava e o silêncio se fazia presente. Era hora de retornar.
Quando voltava a si, os olhos se abriam e ela encontrava a vida real aqui da Terra.
Muitas noites como essa se passaram, os anos se passaram, Flora cresceu e foi construindo sua vida e, a sua maneira, foi encontrando o seu próprio modo de viver e ser feliz.
Com o passar do tempo, ela já não tinha mais os sonhos que a faziam vibrar de alegria durante o sono, mas ela nunca esqueceu as sensações maravilhosas que podia sentir ao dormir.
Viveu muitas descobertas, desafios, conquistas, encontros e desencontros, mas em muitos momentos sentia que faltava algo que a fizesse sonhar, que a fizesse sentir-se nas nuvens novamente e resgatar aquela menina que vibrava com a possibilidade do sonho um dia virar realidade.
Flora havia se tornado uma mulher independente, uma grande jornalista que adorava escrever, retratando a realidade da sociedade em que vivia da maneira mais honesta possível.
Tudo parecia correr bem. Não lhe faltava dinheiro, amigos, saúde, família, um bom trabalho. Mas a sensação de levitar entre as nuvens, a sensação de estar em casa, no seu próprio lugar ela ainda não tinha experimentado enquanto acordada.
O incômodo foi aumentando e ela foi ficando cada vez mais motivada a tentar entender o que estava acontecendo em sua vida.
Foi percebendo que havia se formado no que queria, mas era forçada a escrever sobre temas que não lhe agradavam. Tinha muitos amigos, mas não conseguia desfrutar de muitos momentos ao lado deles, assim como gostaria. Tinha dinheiro mas faltava um sentido para investi-lo em algo que realmente fosse valioso, que pudesse vislumbrar a frente. Então gastava com tantas coisas, voltava para casa com sacolas, sentindo-se feliz porem, a sensação de bem-estar passava em instantes. Sua família era maravilhosa, mas assim mesmo, eles não podiam suprir aquele “algo” que começava a fazer falta no momento.
Certo dia, Flora foi dormir e, cansada de pensar nos inúmeros compromissos de sua vida, acabou adormecendo.
Depois de tantos anos, sentiu o corpo levitar novamente. Em instantes as suas lindas nuvens rosas já podiam ser vistas flutuando ao seu redor. Que saudade sentia de estar ali. Que lugar indescritível era aquele. Seu coração se enchia de alegria e paz novamente. Tinha medo de fechar os olhos e ter que retornar novamente. A música ainda se fazia presente e a emocionava tanto quanto há anos atrás. Era tudo perfeito. E ali Flora passou horas a vislumbrar as diferentes tonalidades e formas das nuvens.
Mas, sabia que deveria retornar. E pensava como iria viver longe dali. Sentia saudades só de pensar. Ela sabia que momentos como aquele, tão especiais, só seriam vividos enquanto estivesse dentro de seus sonhos. Ela precisava de um lugar como aquele para ser feliz lá na Terra.
Era isso! Ela precisava encontrar um sonho para viver na Terra! E foi relaxando, feliz e agradecida pela oportunidade de ter retornado a sua casa mais uma vez.
E despertou novamente para a sua vida real.
Naquele dia ela não foi trabalhar. Ela sentou em sua cama e tentou não pensar em nada. Tentou apenas sentir o que teria vontade de fazer naquele dia.
Sentiu uma vontade imensa de pintar. Lembrou dos seus lápis de cor que estavam guardados há tempos no armário e correu para busca-los. Pegou também um maço de folhas brancas. Jogou tudo na cama em meio as suas cobertas e começou a brincar com as cores. E sem se preocupar com formas e definições, foi preenchendo os espaços vazios da folha com cores e mais cores que, ao se misturarem, criavam diferentes nuances entre os vários tons de rosa. E pintou várias folhas sem se preocupar com nada. Foi organizando ao seu redor aquelas várias folhas repletas de cores. Sentia-se em paz. E quando olhou ao seu redor, percebeu que as folhas reunidas lhe lembravam exatamente a conjunção harmônica de suas lindas nuvens.
Ela riu emocionada com o que estava acontecendo naquele momento.
E começou a conversar com aquelas nuvens coloridas que estavam ao seu redor. Parecia loucura, mas não era. Ela passou horas a perguntar como passavam os seus dias e o que podiam vislumbrar da Terra lá de cima.
Enquanto acreditava ouvir aquelas belas histórias, ia escrevendo tudo tentando não perder nenhum detalhe.
E esse foi o início de sua nova jornada.
Todos os dias ao chegar em casa, sentava em sua cama e conversava com suas nuvens. E mais e mais histórias lhe eram contadas. E ela escrevia linhas e mais linhas, sem sentir o tempo passar. Ali ela sentia uma paz sem fim.
Sentia que o tempo já não importava e sua vontade era estar ali eternamente.
Ela havia encontrado o seu sonho em forma de realidade.
Aquela Flora que havia sido uma excelente jornalista, que retratou incansavelmente tantos fatos reais, agora se tornara uma excelente escritora de livros infantis.
Ela contou e pintou lindas histórias ao longo dos anos. Encontrou a paz que precisava para viver.
Fez do seu sonho a sua vida. E tudo ao seu redor ganhou as cores e luzes como aquelas que decoraram por tanto tempo os sonhos noturnos.
Ela escreveu muitos e muitos livros e deixou o seu legado em forma de histórias, com o propósito de alimentar os sonhos de tantas outras crianças.
Mas o seu livro predileto nunca deixou de ser “A menina que queria viver nas nuvens”!
Karol Peixoto